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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

OPINIÃO: O remédio errado

A investida policial para ocupação da área conhecida como “cracolândia” no centro de São Paulo, desencadeada no início do ano, tinha como meta expurgar os marginalizados viciados daquele local a fim de mostrar que o poder público está fazendo algo com relação à chaga social que se tornou o consumo do crack no País.  De fato o local foi “limpo” e os usuários retirados dali pela tropa de choque da polícia, mas uma pergunta resiste na opinião pública de maneira quase unânime: afinal, essa é a melhor maneira de combater os danos causados pela droga?
            O que a mídia brasileira vem noticiando nas primeiras semanas do ano na cracolândia tem sido uma operação militar muito questionável não apenas sobre sua eficiência, mas, mais ainda, sobre sua real intenção. Centenas de viciados dispersos perambulando pelas ruas, praças e avenidas do centro da cidade foi o saldo da operação. Crianças, velhos, grávidas, o vício não escolhe vítimas, mas a intolerância cega do Estado sim.

FONTE: G1.COM

PM repreende usuário à ponta pés
A situação aparente é a de que nem mesmo as autoridades sabem o que fazer diante da atual situação. Combater os traficantes e os usuários com o mesmo nível de repressão parece ser uma medida descabida, pois impedir as aglomerações das vítimas do crack é uma atitude que no máximo dificultará a logística da venda da droga, mas não vai sanar o problema.  O crack, subproduto da cocaína, oferece o maior potencial de suscetibilidade ao vício e a menor taxa de recuperação entre todas as drogas. Por essa razão a taxa de mortalidade em virtude do vício é altíssima, não só pela droga em si, mas também pelos males agregados a ela.
O processo de “desumanização” pelo qual passa o dependente do crack o impede de fazer escolhas sensatas, retira-o do domínio de suas próprias ações através de um visível processo de degradação psicológica e social. É, portanto uma doença, e deveria ser tratada como tal, mas o engessamento ideológico das políticas públicas brasileiras ainda insiste em empurrar a solução desse problema de proporções calamitosas para a parte menos capacitada a resolvê-lo, a polícia. Como numa reprise dos episódios da ditadura, o Estado tenta solucionar questões de ordem social, ideológica, política e humanitária com golpes de cassetete e balas de borracha.
É claro que a concentração desses usuários degrada o espaço físico da cidade e que no entorno desses locais, em virtude obviamente da busca por dinheiro para comprar mais drogas, a violência e a insegurança aumentam e somente a força policial pode agir quanto a isso, mas é preciso perceber que essa já é a parte final de todo o problema, que antes de um criminoso, o viciado é um doente e em se tratando do crack o viciado já é um doente em fase terminal.
Os usuários agora espalhados por outros pontos da cidade não vão deixar de consumir a droga, nem tampouco a destruição causada por ela será minimizada em virtude dessa ação de dispersão provocada pela polícia. Famílias continuam sendo findadas por causa do vício enquanto a polícia reprime os viciados já flagelados.   
É incabível que ainda seja necessário provar ao Estado que a repressão policial não vai minimizar nem tampouco por fim à drástica situação dos viciados, que carecem de ajuda médica urgente. Sem considerar a questão da prevenção ao uso das drogas, que é a principal maneira de combater esse problema, a investida prioritária do governo deve ser no sentido de tratar de maneira medicinal os dependentes juntamente com um acompanhamento psicológico.  Combater o tráfico sim é uma medida que demanda esforços militares de todas as esferas em conjunto, polícia militar, civil, federal e até o exército deve ser acionado para ceifar a ação dos criminosos na fonte.
O governo deve reprogramar sua postura diante desse problema e separar o joio do trigo. As cadeias foram feitas para isolar quem representa risco à sociedade e não para quem representa risco a si próprio. É claro que boa parte dos usuários acabam se envolvendo em práticas criminosas e estes devem pagar por seus atos diante à lei, mas trancafiar viciados junto com outros tipos de criminosos só agrava a situação ainda mais.  
Dados da Confederação Nacional de Municípios – CNM relatam que o crack já está presente em 98% das cidades brasileiras, o que significa que o episódio da cracolândia em São Paulo não é um fato isolado, é apenas reflexo do que já está ocorrendo em todo o país, a dependência psíquica de uma massa crescente de pessoas por esta droga está criando verdadeiros zumbis, que não assistidos da maneira correta pelo governo vão se amontoando em grupos, desnorteados na fissura de obter a cada momento mais uma pedra. Seja nas grandes metrópoles ou nas pequenas cidades do interior é de grande valia que as entidades do terceiro setor ajam para suprir a atual ineficácia do Estado. Entidades como o Centro de Atenção Psicossocial – CAP’S que oferece acompanhamento clínico aos dependentes em situação de risco constituem iniciativa exemplar e necessária no combate aos efeitos do crack.
É necessário que haja repressão ao crime em qualquer de suas formas, mas antes disso é preciso identificar quem precisa de cadeia e quem precisa de tratamento. Drogas sempre existiram e provavelmente sempre vão existir, pois elas sempre tiveram seu papel nas sociedades ao longo do tempo e em vários casos seu uso faz parte de uma atividade cultural como no caso de algumas tribos indígenas e também no caso de comunidades peruanas que mascam a folha da coca num ritual ancestral. No entanto quando essa prática cultural das comunidades desencadeia na degradação social tornando vulneráveis e flagelados seus adeptos, o Estado tem o dever de interferir. As vítimas do crack como já na maioria dos casos não detém poder sobre si precisam de ajuda externa.
Como se fosse uma doença que afeta o corpo do ser humano onde somente determinado remédio pode oferecer cura, a onda de consumo desenfreado de crack, que se prolifera livremente nas cracolandias é uma doença social que flagela milhares de pessoas em todo o Brasil. O remédio para tratar essa doença social com certeza não está na repressão policial, mas sim numa conscientização por parte do poder público de que os viciados, na condição de doentes, precisam de tratamento e não de pancadas. Talvez seja este o remédio certo que vai “curar” as cracolandias.

Por, Christopher A. M. P. Gama
campaixao@hotmail.com

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