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quarta-feira, 1 de junho de 2011

Natividade, 277 anos e vários olhares...

 por Judi Ferreira


Foto de Poliana Macedo
            O que para muita gente parece chato e monótono, como estudar história, por exemplo, se torna fascinante e extremamente gostoso dependendo da angulação de como é visto. Como todo olhar é crítico e tendo o olho como atalho cognitivo, podemos verificar que tudo é olhar. Quando chegamos a Natividade vemos que a história está estampada em todos os lugares: das ruínas aos prédios antigos, das pessoas à cultura popular.
            Muitos conhecem Natividade apenas pelas suas ruínas e festas religiosas, mas acredito que poucos saibam, de fato, da sua história, do processo de ocupação, da cultura e das lendas que esta cidade possui.
            Natividade é uma palavra latina que etimologicamente significa nascimento. A cidade surgiu, ou melhor, nasceu do processo de interiorização do Brasil com as expedições dos bandeirantes no século XVIII que estão intimamente ligadas à exploração de ouro aumentando, consequentemente, a população, inclusive escrava.
            Em 1734 é fundado o Arraial de São Luis que chegou a ter cerca de 40 mil escravos no apogeu dos garimpos. Fico imaginando como era o processo de transporte e acessibilidade no alto da serra, o percurso é muito íngreme exigindo persistência, um grande esforço físico e paciência. Remontam deste tempo, também, as adversidades como os ataques indígenas. No ano seguinte passou a ser chamado de Arraial Nossa Senhora da Natividade, devido à chegada da imagem da santa que veio de barco e subiu o morro no lombo dos escravos. Talhada em madeira, ressaltando o estilo barroco, esta imagem está localizada atualmente na igreja matriz que leva o seu nome.
            Entre os anos de 1832 e 1833 recebeu o título de vila. Com o declínio do ciclo do ouro a vila desceu a serra e começou o processo de construção desenvolvendo atividades agrícolas de subsistência. As ruínas da serra foram tomadas pelas árvores centenárias e posteriormente é elevada à cidade. Vale ressaltar que foi um dos maiores arraiais da Capitania de Goiás, o que resultou na criação da Comarca do Norte e designado para governá-la o tão conhecido Joaquim Teotônio Segurado, que era desembargador.
            A cidade possui suas peculiaridades e o que a diferencia das outras cidades é justamente a história. Sendo a cidade mais antiga do Estado apresenta uma mistura de etnias e culturas consolidadas ao longo de quase três séculos de vida, porém, é perceptível o pouco caso com os documentos históricos e falta valorização das origens por parte dos jovens.
            Ligada a história está a formação econômica e social onde se destacam além da extração do ouro, a escravidão, o coronelismo e a tradição religiosa. Atualmente destacam-se a criação de gado, a ourivesaria, as indústrias de calcário e o comércio que timidamente vai se fortalecendo.
            Natividade é uma cidade tipicamente interiorana, pacata, com pessoas conversando nas calçadas, o que não impede de estarem conectada à aldeia global através das lan houses. Como opções de lazer, além do centro histórico, tem o Artubar e o bar da Rosinha, os córregos e a boate itinerante, conhecida como online. Para fazer aquela boquinha não se esqueçam de passar no Restaurante Comida Caseira.
            As lendas nativitanas são deliciosas, digo isso, por que além do riquíssimo repertório, estas foram contadas acompanhadas de biscoitos, amores-perfeitos e um delicioso café feito por vó Hilma que assim como sua nora, Denise, e sua neta, Mariana nos acolheram paciente e carinhosamente. Dentre as lendas faladas a mais lembrada foi a de Mãe Ana que é conhecida até mesmo na Europa.
            Falando em lendas, esta cidade é marcada pelas tradições religiosas, devoção e misticismo. Quem nunca ouviu falar da Festa do Divino Espírito Santo e a Romaria de Nossosenhor do Bonfim? E o sítio de Dona Romana com suas profecias espirituais? A religião dita até feriados estaduais como o oito de setembro, dia da padroeira do Estado tocantinense, que inclusive é Nossa Senhora da Natividade. Pouco se fala das religiões afro-brasileiras, o que é contraditório, pois a maioria da população é negra. As igrejas, por si só, contam um pouco da história da região. A mais conhecida delas é a ruína da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, símbolo da cidade. Existe também a Igreja de São Benedito e a Igreja Matriz.
Além das igrejas vale à pena conhecer a serra de Natividade (pra quem gosta de aventura) e ruínas do Arraial de São Luis – onde tudo começou; Poções e Córrego Praia, para se refrescar quando estiver sentido muito calor; Centro de Artesanato e Apoio ao Turista e Museu Histórico, constituídos pelos prédios das antigas cadeia e Câmara Municipal, respectivamente, e Casa de Cultura Amália Hermano, imóvel construído no final do século XIX possuindo um espaço amplo, ótimo para a leitura.
Vemos nitidamente através das ruínas e prédios antigos a materialização da história ou se preferirem a história materializada no espaço, revelando becos e ruas que são verdadeiros fenômenos de comunicação. Todo este arcabouço histórico levou a cidade a ser tombada em outubro de 1987 e hoje é patrimônio histórico e foi eleita recentemente como uma das sete maravilhas do Brasil.
O potencial turístico, do ponto de vista histórico, de Natividade é muito atrativo, todavia, a cidade não dispõe de mecanismos que viabilizem a permanência do turista. O sistema bancário, por exemplo, é deficitário. Roberto Rodrigues Cerqueira, chefe de gabinete da prefeitura, fala que não há desenvolvimento por falta de segurança pública. O prefeito de Natividade, Joaquim Rodrigues Ferreira diz que a cidade é um dos maiores entroncamentos rodoviários do Tocantins isso gera problemas característicos de cidades grandes como a desigualdade social e acesso facilitado ao mundo das drogas.
Como forma de desviar os jovens deste mundo, que na maioria das vezes, não tem volta estes participam de um projeto de capacitação nas áreas de turismo e hotelaria, organização de eventos e serviço de garçom preparando-os para o mercado de trabalho.
Vale mencionar que as manifestações populares como a catira, sússia, congada e as festividades religiosas são incentivadas como forma de resgate à cultura nativitana.
Como podemos notar as ruínas de Natividade escondem muitos mistérios que aos poucos são desvendados com a contribuição de senhores, senhoras e jovens preocupados em fortalecer o espírito de preservação e resgate da memória de quase três séculos de história. E, então surge o questionamento: que tal olhar esta cidade de um ângulo diferente? Deixem seus olhos experimentarem novas situações, garanto que vocês terão um novo olhar sobre Natividade, afinal de contas, tudo é olhar!

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