Páginas


quarta-feira, 27 de abril de 2011

Navegar – por outros mares – é preciso...


“Navegar é preciso” já dizia o poeta português. Seguindo o conselho de Fernando Pessoa e na busca de uma nova experiência acadêmico-cultural a portuguesa Helena Roriz resolveu atravessar o Atlântico para vivenciar o intercâmbio. Helena nasceu em Esposende, mas como ela mesma diz “considero-me vianense, pois foi em Viana do Castelo que cresci e vivi toda a minha vida até entrar na faculdade” localizada em Braga.
Após terminar a licenciatura em Biologia Aplicada pela Universidade do Minho Helena ingressou no mestrado em Ecologia, Biodiversidade e Gestão de Ecossistemas, na Universidade de Aveiro e hoje conta-nos um pouco da experiência obtida na Universidade Federal do Tocantins.
O Início 
Porque escolheu a Universidade Federal do Tocantins para realizar o intercâmbio? Eu costumo dizer que a UFT, o Tocantins me escolheu. Eu estava no último ano do meu curso, numa fase em que tínhamos que fazer um estágio curricular, obrigatório, para terminar o curso. Apesar de o meu curso ser muito orientado para o trabalho de laboratório, eu e mais três colegas tínhamos uma grande orientação para o trabalho de campo. E, quando saiu a lista de estágios, ficamos um pouco tristes por não constar nada da nossa área de interesse...
A iniciativa do intercâmbio partiu desta insatisfação? Falamos com a nossa Diretora de Curso e ela orientou-nos para o nosso professor de Ecologia. Foi ele quem nos contou que estava prestes a assinar um convênio com a UFT e que, se quiséssemos, existia a possibilidade de irmos “estudar tartarugas para a Amazônia!”. A realidade, depois, não foi bem essa, mas as palavras que nos fizeram brilhar os olhos e dizer “Claro que queremos!”, foram essas!
Vocês já conheciam o Estado do Tocantins? Não, acabamos os quatro numa cidade e num Estado dos quais nunca tínhamos ouvido falar e fomos animadíssimos e com a bagagem cheia de expectativas. 
Primeiras Impressões
Taquaruçu
Quais as suas primeiras impressões sobre o Estado do Tocantins?
O meu primeiro contacto com o Tocantins foi através de Palmas. Lembro de chegar e achar a cidade muito ampla, com avenidas grandes e bastante arborizadas, mas achei tudo meio seco, pouco cuidado. Eu tinha chegado bem no final da época seca e os sistemas de rega, nesta altura (2004), ainda eram praticamente inexistentes…
E as pessoas? Em relação às pessoas que conhecemos logo no começo, ficamos muito satisfeitos. Todas eram muito simpáticas, prestativas, calorosas e receptivas. Todos se ofereciam para nos ajudar nas mais pequenas coisas. Isso foi muito importante.
O Estado te surpreendeu? O que foi mais característico?
O Tocantins me surpreendeu sempre de maneira positiva. O que foi mais característico? O cheiro da terra vermelha, o pôr-do-sol no lago, as noites de lua cheia, as cachoeiras de Taquaruçu e os luaus no Canto das Artes, a Feira do Bosque… a Paçoca da Feira do Bosque! As festinhas de estudantes na 24, na 51,… oh tanta coisa!
Culturalmente falando o que mais te agradou?
Gostei da alegria das pessoas e da capacidade de transformarem tudo em festa. Os brasileiros sabem aproveitar a vida de uma forma simples, descomplicada. São despreocupados, quentes, sorridentes.  E como gastronomia também é cultura, não posso deixar de referir que a comida do Tocantins é deliciosa.
E o que não gostou? A única coisa que não gostei foi o hábito que pessoas têm de marcarem determinado compromisso (viagem, almoço, festa, etc) e, na hora, furar ou simplesmente nem se lembrar mais do que se havia combinado. Eu estava acostumada a que um “eu vou” significasse mesmo “eu vou” em vez de “neste momento eu estaria a fim mas, na hora, não prometo”! Risos
Estudos
O que estudou na UFT? Eu fui como estudante de Biologia, mas não fiz matérias na UFT, propriamente. Meu intercâmbio consistiu no estágio de final de curso e monografia. Fui orientada pelo Professor Renato Torres Pinheiro (Biologia – UFT) num trabalho que se baseou na determinação da Composição da Comunidade de Aves de Ambientes Naturais e Urbanos do Cerrado Tocantinense. Nossa pesquisa foi concentrada em três localizadas dentro do Plano Diretor Urbano de Palmas, situados ao longo do curso do Ribeirão Brejo Comprido: Chácara de S. José (cabeceira do ribeirão), Parque Cesamar (curso médio do ribeirão) e Estação Experimental da UFT (ponto de deságue).
E os seus amigos? Um acabou, efetivamente, por trabalhar com tartarugas na Ilha do Bananal, outro com Jacarés. 
Dificuldades
Quanto ao “desconhecido” Estado houve choques culturais? Choques? Não. Encontramos muitas coisas diferentes, sim, mas a adaptação foi tão tranquila e natural, que não houve choque algum. E se os houve, foi ao chegar a Portugal… tudo me parecia tão frio, tão gelado e impessoal… Queria o “meu” Tocantins de volta!
Quais as maiores dificuldades que você teve no intercâmbio? Nada demais. A única coisa é que, para tudo era necessário CPF e RG, documentos que nós, como estrangeiros não possuíamos. Mas tivemos a sorte de ter amigos que nos ajudavam nessas pequenas coisas.
Que tipo de coisas? Um exemplo, o qual eu aproveito para agradecer, foi a Mariana Oliveira, da Diretoria de Assuntos Internacionais da UFT, que depositou a sua confiança em nós e tão gentilmente nos ajudou com os cadastros de telefone, água, energia, celulares, internet, aluguel da casa e todas essas coisas que exigem tais documentos. Obrigada Mili!
Você sofreu algum tipo de preconceito por ser estrangeira/portuguesa aqui no Brasil? Não. Ouvi muitas piadas de Portugueses, mas tudo num espírito completamente esportivo. Ouvi algumas pessoas com um certo preconceito contra portugueses, mas por terem sido aqueles que descobriram o Brasil, mataram índios, lhes roubaram o ouro, impuseram crenças, culturas… E não lhes tiro a razão, pois é a mais pura verdade. No entanto, nunca sofri preconceito pessoal. De resto, tinha apenas que ficar atenta para evitar o meu sotaque português quando queria comprar alguma coisa (risos). Isto porque, às vezes, o preço das coisas duplicava, quando percebiam que eu era estrangeira!
Em algum momento se sentiu desamparada? Não, pelo contrário. Sempre me senti em casa e fiz grandes amizades, que contribuíram para que sentisse sempre muito bem. 
no Jalapão com os amigos
O Retorno
Depois de algum tempo no Brasil como foi o retorno para Portugal?
Lembro-me do dia do regresso como o mais triste da minha vida! Lembro-me da dor que foi ter que dizer adeus aos amigos que fiz, às pessoas que foram a minha família durante seis meses e que me fizeram sentir, sempre, tão “em casa”… Lembro-me da angústia e da tristeza nos últimos abraços e do sabor amargo que foi partir com a sensação de que nunca mais os iria ver... Entrei no avião a conter as lágrimas e fui a soluçar, debaixo dos cobertores, a viagem inteira…
E como foi a readaptação em terras lusas? Chegando a Portugal, nada me satisfazia… Passava o tempo a comparar tudo com o Brasil… e nada chegava nem aos pés! Sentia falta das relações pessoais, da simplicidade e humanidade das pessoas, dos abraços! Nunca Portugal me pareceu um país tão frio, desinteressante e impessoal… Estava de volta ao meu país, mas com a sensação de que estava a mais de 10 mil quilômetros de casa. Foi com esse espírito que fiz um compromisso comigo mesmo: eu iria voltar, custasse o que custasse! 
De Volta à Toca
E Voltou. Desde o regresso a Portugal quantas vezes voltou à Palmas?
Quatro vezes. Em 2006, 2008, 2010 e recentemente para o carnaval deste ano.
Então já se considera uma palmense? Qual a sua relação com a cidade de Palmas?
Costumo dizer que sou uma “portuga” com metade do coração em Palmas. Acho que isso já responde… Sou, com certeza, uma Palmense de coração!  
O que mudou com o passar do tempo? Os anos passaram, Palmas cresceu, ficou mais bonita, organizada, com os espaços verdes mais cuidados, árvores maiores… Por outro lado, número de carros aumentou, a poluição aérea também... As pessoas, no entanto, continuam simpáticas, prestativas, calorosas e receptivas. 
Migração
Atualmente o fluxo de migrações é muito grande. Você acha que o mundo está mais preparado para receber estes fluxos migratórios ou ainda existe muitas restrições? Bom, se está preparado ou não, eu não sei responder. Mas existem muitas restrições, sim. Portugal e Brasil são um exemplo. Apesar de um grande número de pessoas ainda achar que a migração entre estes países é só facilidade porque são “países irmãos”, a realidade não é assim. Há toda uma série de procedimentos, burocracias, questões legais. Se fosse fácil, eu já estava morando no Brasil faz tempo.
Saudades
Do que tem mais saudades? De tudo isso! Mas principalmente das pessoas, das amizades que fiz e que vou levar para sempre!
Dica
Algo que queira acrescentar?
Só uma coisa: se alguma vez estiverem em dúvida entre fazer ou não um intercâmbio, façam-no! É uma experiência muito gratificante e enriquecedora em termos pessoais e que abre nossos horizontes para novos contextos culturais e acadêmicos. Vale muito a pena!

Judi Ferreira
judi.ferreira@uft.edu.br 

Nenhum comentário:

Postar um comentário